segunda-feira, 11 de março de 2013

Relembrar Nino Konis Santana!

Iha loron ida ami nia lian sei lakon atu konta rasik ami nia aik-knanoik funu nian, maski nune iha "ain fatin" nebe Jerasaun foun sira sei la'o tuir, hodi haklaken hikas ba Jerasaun tuir mai. Ami nia mehi ma'ak Liberta ita nia Rain no Liberta ita nia Povo, Ita hotu nia Mehi ma'ak Ukun Rasik An! 

Nino Konis Santana acreditou com convicção de que os seus sonhos ja eram parte das suas ambições, e uma delas é Libertar a sua querida Patria e o seu Povo amado, "My only ambition is to Free our People".

- Dalia Kiakilir 


Relembrar Nino Konis Santana!  
N.a 12 Janeiro de 1957, F.a. 11 de Março 1998 

O Comandante das FALINTIL, Nino Konis Santana, nome gentílico, nasceu em 1957 em Veru, sub-distrito de Tutuala, distrito de Lautém, próximo de Lospalos. Morreu a 11 de Março de 1998, no seu abrigo da Luta contra a ocupação indonésia, em Mertuto, Ermera. Filho de Poko Tana e de Jee Makaru, foi baptizado, na Capela de Tutuala, a três de Março de 1964, sob o nome de Antoninho Santana.

As primeiras letras aprendeu-as num posto escolar de Tutuala, tendo transitado para o colégio dos padres salesianos de Fuiloro, onde completou a 4ª classe. Posteriormente foi para uma escola particular em Dili, fundada por Xavier do Amaral - nomeado presidente da República Democrática de Timor-Leste aquando da proclamação unilateral da independência em 1975 - tendo completado o curso de professor primário no ano de 1974-1975, na Escola Canto Resende.

Aderiu à FRETILIN em finais de 1975, tendo sido dirigente da UNETIM (União Nacional dos Estudantes de Timor-Leste) e membro da OPJT (Organização Popular da Juventude Timorense).

Aquando da invasão de Dili pelas forças indonésias, a sete de Dezembro de 1975, Konis exercia já profissão de professor primário, na sua terra natal, de par com uma intensa actividade de formação política das populações.

A chegada das forças indonésias à Ponta Leste obriga a resistência a refugiar-se em Matebian, de onde se retira em Novembro de 1978, com a queda da última Base, data em que Konis já exercia as funções de Delegado do Comissariado Político.

Entre avanços e recuos estratégicos no território, Konis Santana chega às áreas de Ermera em 1991, a fim de proceder à reorganização daquela zona, a partir de onde comanda a Luta.

Aquando da sua morte, em 11 de Março de 1998, exercia as funções de Chefe do Conselho Executivo da Luta/Frente Armada-CEL/FA, cargo para o qual foi nomeado aquando do desaparecimento de Keri Sabalae, em 29 de Junho de 1995.

O lastro humano

Publicamos aqui um excerto da obra de José Mattoso - A Dignidade - Konis Santana e a Resistência Timorense - do capítulo Apontamentos para um retrato, intitulado "O lastro humano", que nos dá a dimensão humana do homem que, em 1995, após o desaparecimento de Sabalae, passou a comandar a Resistência Armada e a Resistência Clandestina.

"Konis é, na verdade, uma encarnação exemplar do guerrilheiro de todos os tempos. Mas nem por isso deixa de ser uma pessoa humana, com o seu temperamento individual. Podemos seleccionar alguns dados mais típicos desse temperamento, para se ver como são absorvidos pela determinação com que assume a sua condição de resistente. As suas cartas deixam transparecer uma personalidade afectiva, sensível, atenta aos outros, religiosa, fortemente exigente para consigo própria. Xanana recorda-o pela sua doçura e pela simpatia que lhe granjeava amizades profundas e duradoiras.

De facto, várias das suas cartas demonstram um terno afecto pela família, sobretudo pela mãe. Separado do pai e do irmão Victor pela morte, da mãe e das irmãs pela vida de guerrilheiro, nem por isso os esquece durante os dezoito anos em que não pôde tornar a vê-los. Já tivemos ocasião de seleccionar algumas passagens das suas cartas em que evoca os seus sentimentos para com eles. Não encontrámos, porém, nenhuma carta directa aos seus familiares mais próximos. Não sabemos se não lhes escrevia, para não os fazer correr riscos, por serem especialmente vigiados pelos indonésios, ou se não fez cópias das suas cartas por serem mais pessoais.

Xanana recorda a sua doçura de uma forma muito expressiva. Desde criança Konis acompanhava o pai em excursões pelo mato à procura de mel silvestre. Preferia o das abelhas mais pequenas e mais ferozes, que faziam colmeias nas fendas das rochas. O pai ensinou-lhe a tirar os favos com as mãos. As abelhas passeavam-lhe pelos braços sem lhe fazerem mal. Era Konis, pois, que fornecia o mel aos guerrilheiros sempre que podia encontrá-lo. Fazia disso uma festa. Mas a doçura que lhe trazia a amizade das abelhas trazia-lhe também a simpatia das pessoas, desarmava desconfianças e ultrapassava dificuldades de entendimento. Fazia amigos em todo o lado. Podia estar longas horas a conversar com as pessoas das aldeias e encantava toda a gente com a sua bonomia. Esta qualidade garantiu-lhe o dedicado apoio de todas as populações que frequentou e que não lhe regatearam a ajuda em ocasiões difíceis.

Piti Lakon Mosu, Secretário da Região-4 e Konis Santana, Chefe do CEL/FA durante um encontro com Nakayama Toshide, enviado de um grupo de solidariedade Japonêsa liderada por Padre Sato nas áreas de Mirtuto, Ermera. Fevereiro de 1997.

De facto, o seu temperamento afectivo não envolve só a família. Dirige-se também aos companheiros de luta, e, em primeiro lugar, ao maun boot Xanana. Tivemos já ocasião de transcrever parte da carta que Konis lhe dirigiu depois de ter recebido a primeira que ele enviou de Cipinang, e em que exprime com grande veemência a intensidade dos seus sentimentos. Reforcemos este exemplo com uma passagem de outra carta sua a David Alex, em Agosto de 1991, quando a convalescença dos ferimentos recentes, o isolamento e a morte de muitos companheiros, tornavam mais dura a dramática situação em que se encontrava depois da ofensiva de Suro Kraik, e, por isso, a necessidade de apoio moral: «Não esperava poder receber nesta tarde a sua mensagem [...]. Não imagina quão grande foi a explosão de alegria que eu tive, quando a recebi [...]. Foi, na verdade, um momento de particular emoção e de alegria incontida, pois, mal refeito das convulsões psicológicas resultantes da situação por que passamos, a sua mensagem produziu efeitos que, no plano moral, [me fizeram] sentir mais de perto o seu calor fraternal. As suas palavras manifestam o seu profundo sentir de um autêntico irmão, que, na distância infinita, nos transmite o calor meigo e fraterno do apoio moral de que tanto necessitamos [...]. Irmanados no objectivo que todos nós buscamos continuamente ao longo destes duros [...] anos de guerra, as nossas derrotas, as nossas fraquezas, o nosso sangue vertido e as nossas mortes sem campas, unem-nos cada vez mais, e tornam-nos mais irmãos. As nossas alegrias, as nossas tristezas, a nossa dor, os nossos sofrimentos são também vossos, e é tudo isso que nos forja na luta e que constitui a coesão da nossa unidade, tornando inquebrantáveis os laços fraternos que nos ligam e nos unem na vida e na morte» (DRT Dili, maço 50, doc. 47).

Também nisto a afectividade de Konis é exemplar. Encontram-se frequentemente expressões do mesmo género em muitas outras cartas de guerrilheiros. Um estudo linguístico acerca das principais características da sua correspondência mostra a especial associação, surpreendente para a mentalidade europeia ou americana, de dois sentimentos opostos na cultura ocidental, o afecto e o respeito, mas que os guerrilheiros, como membros de uma família muito unida associam entre si como sentimentos inseparáveis. Transpondo para a língua portuguesa um dado cultural timorense que lhe é alheio, as cartas dos guerrilheiros estão cheias de expressões como «Querido», «longos abraços», «irmão», «saudades», «calorosas saudações», «abraço de muita fraternidade», pedidos de desculpa por deixar passar muito tempo sem escrever, recordações de encontros anteriores ou de vivência em comum, referências a parentes, lembranças dos «saudosos» companheiros já mortos... (cf. M. J. A. Carvalho, 2004). Assim, Konis, particularmente sensível aos sentimentos humanos e ao dramatismo da luta, do sofrimento e da morte, não faz mais do que representar exemplarmente um aspecto comum a toda a Resistência. As condições da luta, obrigando a acentuar os laços fraternos por meio da abnegação em favor do grupo, tornaram essas emoções especialmente intensas. De resto, a rendição de alguns companheiros, o desinteresse de alguns compatriotas ou a traição dos vendidos ao inimigo tornavam esta relação fraterna um valor ainda mais apreciado.

Num plano diferente, podemos citar a carta que Konis escreveu a uma senhora de nome Mena (talvez irmã de Sabalae, admite Somotxo) que lhe tinha escrito antes e a que ele responde com grande delicadeza, apesar de não se lembrar exactamente de quem é. Esta carta mostra que a sua afectividade não se dirige apenas aos companheiros de luta, mas também a simpatizantes de um círculo mais alargado: «Mas, por outro lado, não devo deixar de manifestar a minha profunda alegria e congratulação pela sua iniciativa, que é merecedora de elogios, de honra e de louvor, e que criou em mim uma afeição particular para receber a sua iniciativa com carinho. Fiquei profundamente emocionado porque a sua iniciativa traz algo de especial que só a morte fará escapar da [minha] memória, e a compreender cada vez melhor que tratarmo-nos como irmãos tem um alcance político profundo que ultrapassa as relações estritamente familiares, porque acima de tudo estamos irmanados no mesmo ideal, numa mesma causa pela qual lutamos: a causa da libertação da nossa Pátria, a causa da independência do nosso Povo». Depois destas expressões afectuosas escreve um texto mais impessoal, mas sentido, acerca do papel da mulher timorense na Resistência (DRT Dili?). Dir-se-ia que o afecto e a fraternidade se tornam formas estratégicas de manter a Resistência unida e de fortalecer a Luta.

Ma 'Huno Bulerek Karathayano, Secretário da Comissão Directiva da FRETILIN (CDF) e sucessor de Xanana Gusmão conversando com Konis Santana, Vice-Secretário da CDF num acampamento nas montanhas de Ainaro, Fronteira. Dezembro de 1992.

Mas aquilo que ele praticava sem esforço, recomendava-o também aos seus guerrilheiros. Parece bastante eloquente a carta que escreve a um deles que tinha deixado a sua ialanu1 sem a ter visto mais havia quatro anos. Recomenda-lhe que, pelo menos, lhe escreva. «Não sejas ingrato! Não tenhas coração de pedra! Sofreram connosco! É uma alma, a alma da mulher Timor. A tua ialanu vai-me escrever. Já um irmão dela me escreveu, continuando a tratar-me por vaian2. Estás a ver, quatro anos depois... E eu não tive nenhum compromisso. A tua ialanu sofreu demais, e isso comoveu-me imenso» (DRT Dili, Fundo Lima Lima).

Nasce da mesma fonte o respeito e admiração que Konis tem pela coragem dos civis que apoiam os guerrilheiros e que dessa maneira se arriscam a serem apanhados pelos militares ou os Serviços Secretos. Entre dezenas de textos seus onde se pode encontrar a expressão destes sentimentos, citamos apenas um, em que dá largas à sua gratidão pela ajuda recebida: «A minha [salvação] tem sido e continua sendo o apoio dos nossos pais3, esses velhos que num apego às tradições e lutas avoengas de libertação, numa mescla de cristianismo católico e de fidelidade às tradições de nunca aceitar e morte de seu irmão, têm-me dado tudo o que podem, inclusive a vida para me salvarem de situações extremamente difíceis [...]. Um exemplo digno de muita admiração e elogio é a bravura daquela população de Wrahou que, mesmo debaixo do tiroteio do inimigo, foi salvar os feridos no incidente no qual tombaram os seis guerrilheiros mais um estafeta, e estão sob sua protecção, recebendo tratamento apesar da intensidade das operações de rusga que o inimigo está fazendo por ali» (DRT 6224.056).

Com tal temperamento, não admira que Konis tenha, pelo menos uma vez, deixado expandir a sua alma num poema de amor, comovente pela sua simplicidade. Eis a sua primeira estrofe:

Doben, hau husu ba ó
Rona netik hau nia lia fuan
Hodi Maromak naran
Hau hadomi ó4.

Talvez tenha escrito muitos outros que não chegaram até nós. Este escapou, decerto por acaso, como um apontamento guardado entre vários outros rascunhos, como testemunho de uma intimidade que certamente queria manter secreta.

Também não são numerosos, mas mais frequentes, os poemas em forma de oração, que procedem de uma fonte de inspiração análoga ao anterior. Exprimem uma alma religiosa, crente, que busca na oração a ajuda para aceitar o sofrimento injusto trazido pela guerra e por todas as privações que a acompanham:

Harohan ba Na'i Maromak
Fó dame no domin
Sei husu ho laran tomak
Fó moris hakmatek ... maluk sira


Buat ida terus
Ema hotu ka anjo lalehan
Sira mós hatene
Tan sá iha rai ne'e, Timor sala laek
Ohin loron mate barak, tan funu5

O sofrimento da guerra inspira-lhe também um caderno de orações em tétum: Aman Maromak, tau matan mai atan nia terus6 e a cópia ou a redacção original de uma oração em português: «Deus, todo-poderoso, que sofreste a morte sobre o madeiro sagrado por todos os nossos pecados, sede comigo», seguido de uma ladainha de invocações à Santa Cruz de Jesus Cristo (DRT 6229.010).

Podemos concluir daqui que o sofrimento e os combates não embotaram a sua alma sensível, antes pelo contrário. Outras cartas de guerrilheiros, embora não tragam poemas, transmitem também frequentemente sentimentos análogos - o que vem confirmar a impressão de que também neste ponto Konis se pode considerar como um modelo do guerrilheiro. Encontram-se muitas cartas em que, apesar da dificuldade de redigir em português, se expandem os sentimentos e a emoção, como se a própria situação dramática em que os combatentes se encontravam inspirasse uma verdadeira literatura, ingénua e pobre de recursos, alheia a toda a espécie de modelos, mas por isso mesmo profundamente sincera e comovente7.

O desejo de saber

Além da emotividade, outra característica maior da personalidade de Konis é o seu desejo de saber. No seu espólio conservou-se um dos volumes da Guerra e Paz de Tolstoi, muito cansado, lido, certamente, dezenas de vezes, por vários leitores. Conservou-se também uma obra do jornalista Jean Lartéguy acerca da Guerra do Vietname, um manual de economia política em quatro pequenos volumes, a fotocópia inteira de um manual de Filosofia de nível universitário, sem frontispício, e que, por isso, não conseguimos identificar. Sabemos também, por uma carta ao P.e Filomeno Jacob, que este ou o P.e Domingos Maubere lhe ofereceram uma obra sobre a guerrilha sul-americana onde sobressaía a figura do P.e Camilo Torres, que o deixou verdadeiramente entusiasmado. Pede-lhes «que nos mandem livros de política internacional, de formação geral». Confessa: «Sou ávido de leituras e gostaria imenso que o irmão procurasse arranjar-me um livro do nosso líder 'Timor Leste, um Povo, uma Pátria'8. O livro que [...] me ofereceu sobre a guerrilha na América Latina, apesar do escasso tempo, já estou quase no fim, e o que mais me interessou foi a história do P.e Camilo Torres, Padre guerrilheiro. Que ideal, se em Timor-Leste houvesse também um Padre Guerrilheiro, lutando pelo ideal por que o P.e Camilo lutou! [...] Foi um Colombiano guerrilheiro que morreu, tornando-se mais incómodo para o regime do que quando ainda vivo» (DRT 6224.028).

Noutra carta a um eclesiástico desconhecido pede: «Não sei se V. Rev.ª me poderá arranjar alguns livros úteis à minha formação. Leio qualquer livro que me chegue às mãos [...], pois sou ávido na leitura, no esforço por melhorar o português, já muito carcomido pela guerra» (DRT 6235.245). A outro correspondente, pede um dicionário de bahasa-português (DRT 5010.199). A outro, ainda, confessa: «Sou ávido de leituras. Tudo quanto me aparece pela frente, procuro lê-lo e relê-lo. Para aprender o português, para aprender a forma de esquematizar ideias e apresentá-las. Como sabe, nem tenho o 5º ano! Apenas tenho o 1º ciclo do ensino secundário, agravado ainda com o próprio prolongamento da guerra e com o isolamento aqui do exterior. Apenas a luta em que estou empenhado é a minha própria formação» (DRT 6237.104). Ao seu companheiro Somotxo diz também: «O que tenho de positivo é o hábito adquirido de acordar sempre cedo e fazer muitas leituras. Sou ávido de ler tudo o que aparece de escrito, tenho curiosidade de ler». E, daqui, passa para questões de disciplina: «Perseguir sempre e sempre a materialização das tarefas, o andamento das coisas, é um método importante para nos precavermos [contra] os formalismos e as aparências». Mas acha que «devia ter mais método e ser capaz de não se preocupar com assuntos secundários» (DRT 6237.036).

Este gosto pela leitura, pela formação intelectual, é também colocado por Konis ao serviço da Resistência. Nesse sentido, é também significativa outra fotografia conhecida que o apresenta a escrever à máquina, uma pequena portátil, uma das duas ou três que teve para substituir as que foram capturadas pelos Indonésios. Não se lhe vê a cara, mas só a imensa cabeleira encaracolada, como se estivesse todo entregue à tarefa da escrita. De facto deixou-nos milhares de páginas manuscritas e dactilografadas em português e tétum, mas sobretudo em português: cartas para os companheiros e para as mais representativas personalidades do seu tempo, mensagens, comentários, textos sobre várias matérias, como a cortesia e a disciplina, as condições geográficas e sociais da região da Fronteira Norte, relatórios e programas de actividades, instruções militares, declarações, recibos, agradecimentos, listas de materiais e documentos enviados, etc.

Votos para o Povo Maubere

Na escuridão do seu abrigo, Konis Santana pensou muitas vezes no futuro da sua Pátria. Mas o contraste da dura realidade em que viveu com o que desejava para Timor devia fazer-lhe considerar esses pensamentos como um sonho. Poucas vezes se atreveu a escrever alguma coisa sobre o que imaginava para os Timorenses se eles um dia alcançassem a liberdade. Em alguns casos, porém, as suas ideias sobre o futuro tomaram forma concreta devido a perguntas de jornalistas. A desordem em que deixou os apontamentos que foi tomando para lhes responder não permite transmitir o conteúdo das suas ideias de maneira fundamentada e completa. No estado actual da investigação sobre o seu espólio, merece a pena, em todo o caso, resumir o que pensava acerca da língua e do trabalho intelectual, questões sobre as quais se pronuncia de forma mais estruturada, para a considerar do ponto de vista da cultura e da identidade.

O texto de Konis sobre a língua foi escrito em 15 de Dezembro de 1997, três meses antes da sua morte, para transmitir a um dos japoneses com quem contactou, as suas opiniões a esse respeito, por ocasião da celebração de um congresso internacional sobre o tétum. Konis pensa, em primeiro lugar, que o simples facto de se realizar esse congresso «dignifica o nosso Povo». Vai ao encontro do sentimento de dignidade tão arreigado e tão profundo do povo timorense, ofendido pela humilhação a que foi submetido durante a brutal ocupação javanesa. Ora, ao contrário dos Javaneses, as pessoas cultas dos países mais civilizados do mundo interessavam-se pela sua língua! Este facto enche-o de gratidão: «Não tenho palavras para vos agradecer, não tenho mãos para medir a importância do vosso trabalho! Na realidade, um povo sem identidade cultural, não é Povo. E um povo, para atingir um nível avançado de desenvolvimento, [tem de] elevar o seu nível cultural». Daí a importância que atribui ao ensino, que considera a primeira prioridade do futuro governo de Timor independente. O problema cultural resultante da multiplicidade linguística de Timor tem de ser equacionado. Não receia que seja «motivo de instabilidade política», mas pode criar obstáculos ao desenvolvimento científico e tecnológico. No passado, contribuiu para as lutas entre os reinos. Foi aproveitado pelos Portugueses para dividir o povo timorense. A divisão levou ao fracasso das lutas pela independência durante a época colonial. Mas durante a ocupação indonésia, a necessidade de unificar o combate permitiu suplantar as divergências. O tétum tornou-se um factor de entendimento e de coesão. Transformou-se no veio de transmissão da luta, e num sinal de identidade do Povo Maubere. A política da FRETILIN de utilizar o tétum como língua nacional contribuiu enormemente para a consciencialização da sua identidade cultural.

«Hoje, na guerra, os Fatalucos de Lospalos, os Bunak de Bobonaro, os Macassai do Matebian, os Mambai das regiões centrais, etc., entendem-se através do tétum. A Guerrilha tem servido o tétum como meio de divulgação da luta. Guerrilheiros de origens étnicas e linguísticas diferentes actuam em regiões [alheias às] suas origens e entendem-se com as populações locais através do tétum». Assim, o futuro governo de Timor independente deve adoptar uma política nacional que garanta a unidade do Povo, saneando os elementos influenciados pelo colonialismo, qualquer que seja a sua origem (portuguesa ou indonésia). Por isso Konis defenderia sempre uma política de defesa e de salvaguarda das tradições e cultura próprias de cada etnia, das suas línguas e dos seus valores.

E depois de apresentar a sua opinião sobre o uso do tétum-praça ou do tétum terik, fala também da língua indonésia. Qualquer que seja o partido que venha a governar em Timor, não deve ignorar que milhares de jovens o falam. É importante para fomentar as relações comerciais e diplomáticas da futura nação timorense com o país vizinho (DRT 6237.104). Quanto ao português, verifica, com realismo, que é falado apenas pelo clero, por algumas pessoas formadas durante o período colonial português e pelos membros da Frente Armada da Resistência. Mas foi por meio dele que a Resistência deu a conhecer ao mundo a sua luta. Além disso, é fundamental para a preservação da identidade timorense, porque é dele que depende a herança histórica e cultural que exprime o seu carácter como nação independente. Sem ele, Timor seria um eterno escravo da cultura javanesa. Para evitar que o português se torne uma língua «em vias de extinção», Konis defende que se adopte como língua oficial da futura Nação independente, e que, por meio dela, Timor se venha a integrar na comunidade do mundo lusófono. Espera que Portugal contribua para o ensino da língua portuguesa e a introdução de livros e material didáctico, e colabore na formação de professores (DRT 6225.148, p. 27; 5010.050, pergunta 8).

O que importa, porém, é o valor que Konis atribui ao factor cultural na formação da identidade timorense, e a sua convicção de que, sem ele, o Povo não pode defender a sua própria dignidade como Povo. Três meses antes da sua morte, numa carta em tétum aos estudantes da UNTIM, apresenta as suas ideias acerca do papel que a formação universitária deve representar para o futuro da Nação. A sua principal ideia é a de que os intelectuais estão ao serviço do Povo. Devem interpretar as aspirações dos Timorenses, e formar os técnicos e especialistas necessários à Pátria. Não devem querer ser doutores ou engenheiros para ganharem mais dinheiro e muito menos para o receberem da Indonésia. «Imi buka matenek atu servi ita nia Rai, atu harii Rai Timor Loro Sa'e, ita nia Pátria»: Procurai o saber para servir a vossa terra, para construir Timor Lorosa'e, para construir a vossa Pátria (DRT 6237.055). Poucos meses antes da sua morte, ao reflectir sobre o que deseja para o Povo Maubere, Konis não sonha com uma economia próspera, nem com o potencial militar, nem com instituições políticas exemplares, mas apenas com uma cultura própria, ao serviço do Povo, que preserve os valores tradicionais, que seja um factor de unidade e que leve os outros povos a respeitar a sua independência. Os lorikos devem querer usar a sua própria língua para cantar o hino da liberdade no cume das montanhas azuis."

1 Concunhado de sexo contrário ao ego (fataluco); esta relação de parentesco impõe certos interditos à relação entre os indivíduos em causa.
2 Cunhado ou parente colateral (fataluco).
3 A palavra portuguesa «pai» também se usa em tétum para significar, além de «pai», um protector de certa idade, sobretudo quando se usa na segunda pessoa.
4 Querida, peço-te, ouve bem a minha palavra: em nome de Deus, eu te amo (DRT 6235.054)
5 Rezemos ao Senhor Deus: dai-nos a paz e o amor, nós vos pedimos de todo o coração. Dai-nos a vida em paz... companheiros. Algum sofrimento, toda a gente, e também os anjos do céu, sabem porque é que nesta inocente terra de Timor há tanta morte e tanta guerra (DRT 6236.109).
6 Deus Pai, olhai para o sofrimento do vosso servo (DRT 6236.108).
7 Estou persuadido que acontece o mesmo nas cartas em tétum, embora o meu insuficiente conhecimento desta língua não me permita afirmá-lo com segurança.
8 Editado pela Colibri em 1994.  

Fonte: http://amrtimor.org

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